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UNESCO entrega certificados de registro no Memória do Mundo a acervos de Luiz Gama e Atas do Montepio Geral

Esses dois arquivos foram aprovados em 2024 pelo Comitê Regional para a América Latina e o Caribe do Programa Memória do Mundo (MoWLAC).
MowLAC - Luiz Gama

A cerimônia de entrega do certificado de registro no programa Memória do Mundo do acervo “Presença Negra no Arquivo: Luiz Gama, articulador da liberdade”, um reconhecimento pela contribuição à história da luta por liberdade e justiça no Brasil, foi realizada no do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), no dia 16 de maio. Na ocasião, ocorreu a abertura da exposição “Eu, amanuense que escrevi...”, que reconstruiu visualmente a identidade de mais de 120 africanos libertos pelo jurista, com o uso de inteligência artifical.

O certificado de registro, aprovado pelo Comitê Regional para a América Latina e o Caribe do Programa Memória do Mundo (MoWLAC) em 2024, também foi concedido ao acervo “Atas do Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado – atual MAG Seguros – O início da seguridade social – 1835”, reconhecido pelo pelo programa por seu valor histórico e social.

A UNESCO, por meio do Programa Memória do Mundo, reafirma seu compromisso com a salvaguarda do patrimônio documental. Proteger e tornar acessível a memória documental, um bem comum que pertence a todas as pessoas, é preservar a diversidade cultural, fortalecer a coesão social e sustentar os alicerces de um futuro mais justo, pacífico e sustentável. Não há futuro sem memória.

Diretora e Representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto

A coleção de Luiz Gama (1830–1882) reúne documentos históricos de inestimável valor, como cartas de alforria, petições judiciais e textos publicados na imprensa da época, que revelam o papel central do jurista, poeta e abolicionista na luta pela liberdade de pessoas escravizadas no Brasil do século XIX.

A acervo oferece um testemunho único da resistência legal e intelectual à escravidão, além de iluminar o papel essencial da população negra na formação da justiça social brasileira. O reconhecimento pelo MoWLAC reforça a importância histórica e cultural desses registros e destaca o compromisso da UNESCO com a valorização da memória social, da justiça e dos direitos humanos em escala mundial.

“Esse reconhecimento contribui para a ampliação da difusão do legado de Gama, garantindo que sua trajetória e seus escritos sejam acessíveis a pesquisadores e à sociedade em geral. Além disso, a pulverização da presença dos documentos relacionados a Luiz Gama, distribuídos entre jornais e registros como o livro de ‘Matrículas de africanos emancipados’ de 1864, reforça a importância dessa chancela para sistematizar e fortalecer a conservação desse acervo”, diz o diretor do APESP, Thiago Nicodemo. 

Memory of the World
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Montepio Geral: o marco inicial da seguridade social no Brasil

O Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado foi a primeira instituição brasileira de seguridade social, com caráter oficial e estrutura legal organizada por um Ministro de Estado. Sua criação ocorreu por meio de um decreto da Regência, que governava o país em nome do jovem Pedro, sucessor de Dom Pedro I.

Nesse contexto, os fundamentos para a constituição de uma entidade sem fins lucrativos — destinada a oferecer recursos aos dependentes de todos os servidores públicos do Império — foram aprovados em 10 de janeiro de 1835, em uma das salas do segundo andar do Paço, na cidade do Rio de Janeiro, então sede administrativa do país.

Pesquisas realizadas sobre o tema não identificaram outro conjunto documental desse período com tamanha riqueza de detalhes, seja em acervos de países da América Latina, seja no Caribe. Isso sugere que esse pode ser o primeiro registro de previdência social existente no continente.

O patrimônio reconhecido é a coleção de atas manuscritas das reuniões da diretoria do Montepio dos Servidores do Estado, que abrange o período de 1835 a 1977. A coleção é composta por livros que revelam 142 anos de história da seguridade social, permitindo seu estudo desde os primeiros registros até seu desenvolvimento ao longo das décadas.

Inovação e ancestralidade: exposição resgata rostos apagados

Com o intuito de reconhecer o trabalho de Luiz Gama e das pessoas e narrativas que estão presentes nos arquivos, foi produzida a exposição “Eu, amanuense que escrevi...”, cuja abertura ocorreu na mesma data da entrega dos certificados do MoWLAC. A iniciativa une tecnologia de inteligência artificial, pesquisa histórica e arte para reconstruir visualmente a identidade de mais de 120 africanos libertos por Luiz Gama, entre os anos de 1862 e 1866.

A mostra parte do Livro de Africanos Emancipados, manuscrito por Luiz Gama durante sua atuação como amanuense (escrevente) no Fórum Criminal de São Paulo. O documento contém descrições detalhadas — como idade, características físicas e nomes africanos — de pessoas que, com a ajuda de Gama, conseguiram a liberdade.

Utilizando essas informações como base, as imagens foram geradas por meio de técnicas de inteligência artificial para criar retratos que homenageiam e restituem simbolicamente o rosto e a identidade dessas pessoas, muitas das quais haviam sido apagadas dos registros oficiais. Os retratos foram apresentados no formato de carteiras de identidade contemporâneas, criando um forte impacto visual e emocional no público visitante.

“Com esse projeto conseguimos dar visibilidade a pessoas e narrativas que estão no arquivo e que não necessariamente conhecemos — ou que a sociedade reconhece. E, do outro lado, conseguimos envolver pessoas que não conhecem o arquivo ou que não têm familiaridade ou interesse por documentos históricos, mas que, por meio dessas imagens e histórias, percebem que há pessoas reais por trás deles. E são justamente essas pessoas que merecem esse espaço, porque foram escravizadas, sofreram preconceito e perseguição. Elas merecem esse gesto de restituição às suas vidas, essa homenagem, esse reconhecimento de que existiram”, explica o diretor do APESP. 

Além dos retratos, a exposição inclui manuscritos originais, reproduções dos documentos e painéis interativos que contextualizam o trabalho de Luiz Gama e sua atuação jurídica como um dos mais importantes defensores da liberdade no Brasil.

O Programa Memória do Mundo

Criado pela UNESCO em 1992, o Programa Memória do Mundo visa preservar e ampliar o acesso a acervos de relevância internacional, nacional e regional. A iniciativa promove a cooperação entre instituições e busca ampliar o reconhecimento de documentos essenciais para a construção da memória coletiva da humanidade.