Yalitza Aparicio, embaixadora da Boa Vontade da UNESCO, participou de uma mesa de diálogo e de uma leitura para crianças e adolescentes na Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL). Ela atraiu cerca de mil pessoas. Esse número é maior do que a quantidade de pessoas que falam 12 línguas indígenas criticamente ameaçadas de extinção no México.
As línguas se enquadram nessa categoria quando seus falantes mais jovens pertencem à geração mais velha e se lembram apenas parcialmente de sua língua ou não mais a utilizam no dia a dia, pois há poucas pessoas com quem conversar. Portanto, é urgente fomentar a curiosidade sobre a diversidade cultural e linguística sem preconceitos ou vieses, bem como criar oportunidades de aprendizagem desde a infância.

Assim, a UNESCO e Yalitza Aparicio pediram a normalização do uso das línguas indígenas a fim de combater a discriminação, o discurso de ódio, o racismo e a violência contra os povos indígenas e minorias étnicas. Essa situação faz com que as gerações mais velhas, como uma medida de proteção, evitem transmitir sua língua materna, enquanto as gerações mais jovens evitam usá-la ou simplesmente não a conhecem.
O Atlas Mundial de Línguas da UNESCO, que recebeu dados de instituições públicas e comunidades acadêmicas para suas edições de 2010 e 2015, classificou 16 línguas indígenas no México como criticamente ameaçadas de extinção:
Aguacateco, com apenas 20 falantes, de acordo com dados de 2020 do Instituto Nacional de Estatística e Geografia;
Qatok com 126 falantes no mesmo ano, incluindo aqueles que usam as variantes dzó&Բ;e motozintleco;
첹ú, ayapaneco (uma variante do zoque de Tabasco), kiliwa, oluteco e teco (ou tectiteco), cada uma com menos de 100 falantes;
Ixil-maia, caqchiquel, cucapá e ixcateco, com mais de 100, mas menos de 200;
Embora 231 indivíduos tenham relatado falar a língua paipai; 771, Իã; 38.507, mayo (yoreme); e 18.827, huave de San Francisco del Mar (umbeyajt), elas ainda são consideradas criticamente ameaçadas de extinção devido a seu predomínio entre as gerações mais velhas.
A melhoria das condições de trabalho de professores e tradutores de línguas indígenas por meio de mais recursos, alternativas de formação equilibradas acordadas coletivamente e o fornecimento de materiais didáticos e de divulgação foram propostas compartilhadas para combater essas tendências.
Um exemplo desses materiais é o livro “What Makes Us Human?” (“O que nos torna humanos?”, em tradução livre), de autoria de Victor D. O. Santos e com ilustrações de Anna Forlati, apresentado por Yalitza Aparicio. O livro ilustrado está sendo editado em várias línguas e em vários países com o apoio da UNESCO, como parte da Década Internacional das Línguas Indígenas 2022-2032. A primeira edição mexicana tem formato bilíngue, em espanhol e otomi de Santiago Mexquititlán, e foi financiada pela Secretaria de Cultura de Querétaro.

“É um material pedagógico que, se estivesse disponível em cada uma das 68 famílias linguísticas e suas respectivas variantes indígenas no México, teria muito mais histórias para contar”, disse Aparicio.
Dessa forma, as crianças que sentem que sua língua e sua escola são lugares muito diferentes poderão, no futuro, sentir que são um só.
Aurelio Núñez López, linguista e membro da Hñañho College, e Ewald Hekking, linguista e especialista na língua otomi, traduziram o livro para otomi, realizaram uma leitura com Yalitza Aparicio e participaram de um diálogo público. Esse evento foi especialmente importante devido à participação das comunidades Mazahua, Mixteca, Otomi, Tsotsi, Huichol e Zapoteca.

O aumento da representação dos povos indígenas, o fortalecimento da participação de seus membros e a inclusão das línguas indígenas nos espaços públicos e nos meios de comunicação foram outras recomendações propostas, da sinalização existente nas cidades até um modelo educacional intercultural e multilíngue que possibilite a alfabetização em línguas indígenas em todos os níveis, bem como seu envolvimento e liderança em setores criativos e culturais, como o cinema.
O objetivo é reconhecer, promover e incluir a diversidade linguística na vida cotidiana, promovendo assim o desenvolvimento sustentável e compensando os povos indígenas e seus descendentes.
No que diz respeito a esse contexto, Yalitza lançou a seguinte pergunta: quantos indígenas estão presos de forma injusta porque não tiveram acesso a um tradutor?
Viridiana García, oficial nacional de Comunicação e Informação da UNESCO no México, explicou que cerca de 80% dos indígenas não foram capazes de se defender com base no princípio da presunção da inocência pois não entenderam o processo ou o motivo de sua prisão e, portanto, não tiveram acesso a procedimentos adequados.

O México tem 68 famílias linguísticas e 364 línguas indígenas e, dessa forma, a UNESCO continua comprometida com a promoção e a defesa da diversidade cultural e linguística por meio do apoio a vários setores.
“Quando uma língua desaparece, desaparecem uma visão de mundo, uma forma de ver a vida e uma identidade”.
Embora a língua otomi exista há mais de 1,5 mil anos, Aurelio destacou que ela também corre o risco de desaparecer, juntamente com o nauatle e o maia, duas das línguas mais faladas, incluindo seus sistemas de escrita. Ele enfatizou que os tradutores são essenciais para promover o diálogo intercultural, e seu “trabalho especializado deve ser bem remunerado, assim como acontece com as línguas predominantes”.
Ewald Hekking contou que, há 50 anos, havia cursos de nauatle na universidade em que estudou, nos Países Baixos. Esse fato surpreendeu o público presente no Auditório Juan Rulfo. “É necessário ensinar aos estudantes e às crianças sobre o respeito às diferentes culturas e às diferentes línguas”, afirmou.
Victor D. O. Santos teve uma experiência parecida quando estudava linguística no Brasil, seu país natal. Ele ficou surpreso com o fato de que muitos acreditavam que as línguas indígenas eram as mais simples. “Com isso, passou-se a demonstrar como as línguas indígenas podem ser importantes, complexas e belas”.
Como falante de português, casado com uma falante de russo e pai de filhos nascidos nos Estados Unidos, ele procurou uma forma de instigar em sua família o interesse de se falar as três línguas e entender a importância da diversidade linguística, o que o levou a criar o livro “What Makes Us Human?”
A obra foi editado em 26 línguas. O mapuche é uma delas na edição chilena, com o governo desse país financiando a distribuição de 27 mil exemplares em escolas e instituições de ensino.

Nesse sentido, Yalitza Aparicio enfatizou a importância de se fornecer recursos para projetos que promovam e divulguem as línguas indígenas.

“Permitir que aprendamos sobre as línguas é o primeiro passo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e humana”.
Viridiana García também convidou as pessoas a recuperarem a memória cultural, identificando palavras de línguas indígenas incorporadas às línguas predominantes, como o espanhol mexicano. Um exemplo disso é a palavra “xocoyotita”, que vem do termo nauatle “xocoyotl” e significa a criança mais nova da família, uma palavra usada com frequência por sua avó materna.

A UNESCO no México continua a convidar os governos e o setor privado para que apoie, o projeto internacional What Makes Us Human?, por meio do fornecimento de recursos financeiros para publicar mais edições em mais línguas indígenas e aumentar sua distribuição, a fim de que o orgulho de se usar uma língua indígena se torne a norma, não a exceção.